Por Gabriel Santana
– O historiador e professor porto-segurense Alcyone Gilberto prepara atualmente um documentário para mostrar como a cidade se transformou desde os anos 80 – nas últimas quatro décadas, o município passou de pouco mais de 14 mil habitantes, em 1980, para quase 170 mil pessoas no Censo de 2022. A ideia é discutir as mudanças em Porto por meio das memórias de uma moradora da cidade, dona Edite Senhorinha.
Gilberto lembra que, na segunda metade da década de 1980, a cidade atraiu muitos interesses políticos econômicos, passando a crescer de forma desordenada. Com a difusão do fungo da vassoura-de-bruxa nas plantações de cacau da região sul da Bahia, muitas famílias ficaram desempregadas e, por isso, vieram para a cidade em busca de novas oportunidades financeiras.
A memória desse período, diz Gilberto, já está se esvaindo – por isso a importância de realizar um documentário: “Um monte de idosas e idosos que eu conheço desde criança estava morrendo, e as histórias também estavam morrendo”. Para representar essa geração, hoje idosa, que mudou a cidade, o historiador escolheu Dona Edite, mulher negra que nasceu na região cacaueira e veio ainda pequena para a cidade. Por isso, o projeto foi denominado como “Memórias e Histórias de Porto Seguro a partir dos Olhares e Percepções de Dona Edite Senhorinha”.
Para Gilberto, o filme rompe com o colonialismo imperante em Porto Seguro, ao colocar uma mulher idosa negra como protagonista: “Essa narrativa colonizadora quer invisibilizar indígenas, negros e negras. E a ideia do documentário é justamente dar voz a uma mulher negra e idosa, assim já se quebram muitos elementos, rompendo uma estrutura muito grande”. “Precisamos ter outros olhares, seja sobre o território indígena, seja sobre o território negro.”
“Muitas pesquisas foram feitas nos últimos anos pelas universidades, e nos mostram a existência de homens e mulheres negras, que viviam nesse sistema extremamente violento que era o colonialismo”, prossegue o cineasta. Para ele, Porto Seguro foi e é, sim, um espaço de resistência negra, apesar das tentativas de invisibilização dessas pessoas.
Alcyone Gilberto acredita que ações no âmbito das escolas de Porto Seguro, com componentes curriculares que mostram a história da África e do povo negro, são de grande relevância para quebrar uma cultura de racismo e preconceito: “Eu acho que as novas gerações, dentro das escolas e universidades, têm um poder libertador enorme e fazem com que essas discussões sobre o racismo se tornem amplas, por mais que haja resistência. O povo negro está conquistando espaço, e muita coisa está mudando para melhor”.
História de Dona Edite
Criada em Porto Seguro, Edite Senhorinha, a Dona Dita, relata no documentário uma parte da sua infância vivida na sua cidade natal, Gongogi, onde ela conta que viveu muitos momentos felizes antes de vir para Porto Seguro. “Eu era muito chegada à dança. Às vezes, meu pai falava: ‘Quem foi que ensinou essa menina a dançar?’. Ela lembra histórias com a sua família, de cantar junto com sua irmã Judite e dançar com seu pai em momentos oportunos, quando havia uma roda de canto. Seus pais se mudaram para Porto Seguro em busca de melhoria, trazendo ela e seus irmãos.
Ela conta que seus pais eram bastante religiosos: o pai gostava de fazer uma reza chamada “Glória das Virgens”, enquanto a mãe era uma rezadeira que fazia os remédios quando a família ficava doente. Com o passar do tempo, Dona Dita se tornou rezadeira em Porto Seguro. A primeira vez que foi ao carnaval foi na cidade de Porto Seguro: acabou se apaixonando pela festa popular e apresentou a festa às filhas. “Quando eu cheguei aqui, eu saí com as minhas filhas na mão. Eu nunca tinha visto algo assim para mim; se eu perdesse aquilo, era como se tivesse perdido uma pedra de ouro ou um diamante”, relata ela.
Alcyone Gilberto conta que o documentário ainda está em fase de finalização e deve ser lançado em 2025.