Close

Login

Close

Register

Close

Lost Password

Pesquisa revela como a violência afeta o trabalho dos agentes de saúde

Por Cristine Ferreira

– Uma investigação de doutorado, realizada na Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB), aponta que Agentes Comunitários de Saúde (ACS) têm tido seu trabalho afetado pela violência urbana. O medo e a insegurança despertados pelo cotidiano violento são os principais causadores de danos à saúde mental dos agentes.

O trabalho intitulado “Lei do silêncio: representações sociais de agentes comunitários de saúde acerca da violência urbana” foi desenvolvido pela fisioterapeuta e gestora de saúde Henika Priscila Lima Silva e concluído em 2023. A autora entrevistou 101 agentes comunitários do município de Eunápolis.

De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública (2024), Eunápolis foi a 10ª cidade mais violenta do país em 2023. A taxa é de 70,4 mortes violentas intencionais (MVI) para cada 100 mil habitantes, número 25% maior que o do ano anterior. Além disso, os dados apontam que 41,3% dos homicídios da cidade foram causados pela polícia, sendo 63,6% destes em via pública.

Em Porto Seguro, dona Clarice, de 61 anos, já sofreu ameaças de vida durante o trabalho. A agente de saúde, que atua há 18 anos no mesmo território em que reside, tem duas filhas e três netos. “Foi porque eu fiz uma visita e, quando eu saí, em seguida, a polícia chegou, e o cara pensou que tinha sido eu quem tinha denunciado eles. Eu tive que procurar meus meios e falar com ele que não, que não fui eu. Aí provei que não fui eu, então ele ficou tranquilo, mas nas primeiras horas ele me ameaçou”, conta a profissional.

No terreno, dividido em três casas geminadas simples, moram Clarice, sua mãe – que tem condição de saúde delicada – e sua filha, com uma das netas. No quarto, ela mostra o uniforme de trabalho, que os identifica como agentes comunitários de saúde, e o tablet utilizado para registro de dados no aplicativo e-SUS Território.

Sobre a ocorrência de obstáculos físicos, verbais ou psicológicos para acessar a comunidade, a trabalhadora conta que essa é uma experiência comum: “Foi uma situação um tanto complicada porque a gente não sabe o que fazer nesse momento. Creio que todos os ACS’s passam por isto quase todos os dias”.

Para transitar pela microárea de atuação e fazer as visitas domiciliares, é preciso estabelecer vínculos de confiança com os moradores. Dessa forma, os agentes comunitários criam estratégias pessoais para reduzir os riscos de sofrerem alguma violência. Alguns deles chegam a ir às visitas acompanhados de colegas quando consideram a situação arriscada. 

Carolina, uma agente de saúde que trabalha na mesma zona que Clarice, reforça: “Você tem que ser profissional o suficiente para não te prejudicar e não colocar sua vida em risco”.

A principal estratégia, no entanto, é o pacto implícito de que se manterão em silêncio. “No território onde eles atuam, eles conseguem essa confiança, essa credibilidade, inclusive do mundo do crime, por não comentarem, por não falarem. Por não dar muita voz ao que acontece”, explica a pesquisadora Henika Silva.

No que diz respeito às disputas entre a criminalidade e a polícia, Silva acrescenta: “E a polícia não os conhece. Então, muitas vezes, quando a polícia entra em confronto, ele é só mais um no meio da população, assim como os familiares dele. E, o mundo do crime, ele acaba criando, infelizmente, essa falsa sensação de segurança. É como se eles estivessem protegendo o território e, muitas vezes, na realidade, eles colocam todos em uma posição de vítimas mesmo, de medo”.

O medo que atravessa o trabalho dos agentes de saúde também prejudica a população que depende do serviço desses profissionais. A falta de assistência em relação à segurança, proteção e preparação dos agentes para lidar com situações de violência os impede de agir em defesa de si mesmos e da comunidade.

A agente de saúde Carolina expõe que não se sente segura ou assistida caso precise fazer alguma notificação ou denúncia de violência. “Não me sinto [segura] e não confio. Hoje é muito difícil tomar alguma decisão, pois não sabemos o que poderá acontecer depois de alguma denúncia”.

“O psicológico da gente já fica mais sensível. Você fica com medo de sair, você fica com medo de voltar naquela casa para fazer uma visita, porque você não sabe quem tá esperando você lá. E tem aqueles que você fala: ‘ah, vai fazer nada, não’, e você enfrenta. Geralmente eu enfrento porque é o meu trabalho. Se acontecer alguma coisa comigo, eu estava no meu trabalho, estou vestida com a camisa. Eu não sei se a secretaria vai arcar com toda a responsabilidade, mas, se tiver de enfrentar, a gente enfrenta”, afirma Clarice.

A autora da tese também revelou que, apesar de a Secretaria de Saúde de Eunápolis ter autorizado a realização das entrevistas com os profissionais do município, a gestão municipal não demonstrou interesse em receber os resultados da pesquisa.

“Mas, eu gostaria muito de ter esses dados revelados para a gestão municipal, para que pudessem, de alguma forma, ter um olhar mais humano para a saúde. Principalmente a saúde mental desses profissionais. Porque o que ficou evidente, dos 101 agentes comunitários que foram investigados, é que eles sofrem com medo, ansiedade e insegurança. E isso repercute na saúde, no convívio familiar, numa sensação de prisão domiciliar, que é o que eles relatam.”, diz Silva.

A Secretaria de Saúde do Município de Eunápolis não respondeu à nossa tentativa de contato até o momento do fechamento desta matéria.

A pesquisa de Henika Silva foi realizada no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Estado e Sociedade e orientada pelo professor Rafael Patiño.

*por motivo de segurança, os nomes das agentes de saúde entrevistadas foram alterados

Compartilhe!

Curtiu?

23